sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Episódio IV: Limbo-Testemunha


Ouvia música no meu ipod. Estava na parte de trás do autocarro, sentada na cadeira mais à esquerda para quem entra no autocarro.
Tinha um top amarelo, banal e liso e calças de ganga com umas sapatilhas amarelas da minha irmã.
Saí do autocarro na paragem do Botânico, ao lado do João de Deus, mas não entrei no jardim.

Segui paralelamente ao muro gradeado.

Sabia bem apanhar a brisa do vento de encontro à minha cara com a (pequena) velocidade a que ia.
Tenho um passo rápido mas sem me deixar gozar o momento.

Entro na porta lateral do Botânico, com a estátua de Avelar Brotero a impor-se a mim. Fez-me sentir nostálgica pois fez-me lembrar o quão insegura estou, sem saber onde me encaixo nesta altura da vida e saber que uma coisa era certa: a escola a que deu nome já não era minha.

Sentei-me num banco de pedra. Era vulgar, cinzento e às manchas da velhice lenta e poluída.
Fiquei de pernas cruzadas, "à chinesa", à espera de ver um cãozinho branco a saltitar seguido da companhia com quem me iria encontrar e de repente, completamente paralizada de prazer.

Por cima estava o Verão em pleno e por baixo o Outono já se estendia.
Olhei para cima, para as folhas verdes, ainda presas nos ramos fortes. Pendiam sobre a minha cabeça.
Olhei para baixo. Já haviam folhas vermelhas e amarelas e laranjas. Mas não eram vermelhas-castanhas, amarelas-castanhas e laranjas-castanhas como as que se vêem à beira da estrada quando passamos de carro por elas, embrenhados no stress do nosso dia-a-dia, todas molhadas, amorfanhadas e rasgadas. Eram mesmo vermelhas e mesmo amarelas e mesmo laranjas. Tinham luz e embora já no chão, tinham vida. Eram perfeitas.

Pensei no Verão que este ano não aconteceu em pleno e no Outono que ainda estava para vir; mas rapidamente fui cortada do meu pensamento pois ao meu redor as folhas começaram a cair. Uma por uma, às vezes duas, iam caindo. Todas à minha volta, a "espiralar", a rodopiar, a planar, foram caindo...

Aí não me mexia, quase. Mudava irrequietamente a cabeça, apenas, para as poder ver todas. Sentia-me a testemunha de que o Outono estava a chegar, mesmo estando um dia bonito de sol, num jardim de ambiente mágico, sem ser ainda dia 21 de Setembro.

A certa altura fui interrompida por uma mensagem que me fez sair do banco cinzento e vulgar onde estava, na companhia de Avelar Brotero. Levantei-me, olhei mais uma vez para as folhas verdes e disse-lhes adeus pois sabia que era uma questão de tempo de ser tornarem vermelhas, amarelas e laranjas como as que já haviam no chão.

Dei três passos, baixei-me e peguei numa folha amarela. Era simétrica, não era nem grossa de mais, nem fina de mais nem irregular. Não tinha relevo anormal sem ser as suas veias, também simétricas. A sua cor era de um amarelo intenso mas nada brilhante, nem claro nem escuro de mais.
Depois fui andando ao longo da alameda, ladeada pelo muro gradeado e por um jardim imponente, passeando num chão de terra batida, ao lado das folhas vermelhas, amarelas e laranjas (algumas voaram quando passei por elas), a brincar com a folha amarela numa mão, ouvindo música no meu ipod, sentido-me feliz por ter sido a testemunha.
Não podia ter sido um momento mais perfeito nem numa paisagem mais bela.
12.09.2007

A folha amarela hoje... (14.09.2007)

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