quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Episódio III: Fins de semana

Imagino...
longos fins de semana...

Uns a pintar no meu atlier e tu, na tua pausa para o lanche, farto de trabalhar para o teu novo projecto, com os olhos cansados de estar no computador e de copo na mão vens ter comigo. Por incrível que pareça, estou de jardineiras azuis claras, todas pintadas.
O sol brilha lá fora e a luz entra directamente por uma janela perto do tecto que faz incidir a luz no quadro.
No atlier estou eu, o cão a dois m de mim, junto ao quadro, o cavalete com a tela e as tintas ao lado e mais nada. As paredes brancas estavam malhadas das cores do arco-íris. Paira uma paz requintada e melancolicamente animada na divisão.
Dei uns retoques ao quadro com a mão, depois segurei a palete e com a boca segurava um pincel.
Abriste a porta no momento em que eu acabava de retocar o quadro com a mão. Olhei para trás, sorri e falei animadamente contigo com palavras mal pronunciadas de ter o pincel na boca.
Tinhas uma t-shirt branca e jeans "à dread". Aproximas-te de mim pelas costas, deste-me um beijo na bochecha direita enquanto observavas o quadro e falávamos aberta e descontraidamente.
Estavas cansado, notava-se. Começaste a fazer comentários, uns elogios e algumas críticas. Depois abusaste, assim... na brincadeira!
Olhei para ti com os olhos a brincar, tal como tu, e com um ar gozão e malandro pincelei-te o nariz de azul.
Ficaste admirado mas não por muito tempo. Atiraste-te para cima de mim, o copo foi pelo ar e caímos juntos para o chão. Eu caí da cadeira, tu que estavas em pé junto de mim, ficaste por cima de mim. O gato que tinha entrado e instalado a apanhar um bocado de sol desapareceu mal ouviu o estrondo do copo na parede oposta e mal viu os primeiros tiros de tinta pelo ar. A água escorria pela parede abaixo do local do embate.
Rebolámos e fizémos cócegas um ao outro. Os baldes de tinta estavam todos abertos e deitados no chão a verter litros de tinta colorida. O cão só ladrava. Rosa, amarelo, laranja, verde, azul, roxo, branco, conza, castanho... fusões... as paredes estavam escandalosamente garridas.
A arfar, deitámo-nos de costas para baixo, um ao lado do outro. Tinhas o cabelo espetado e amarelo e a cara verde e azul e umas pintas de rosa. O resto ficou tudo de todas as cores. Eu tinha o cabelo verde viscoso e a pingar, a cara estava vermelha e rosa e amarela nas bochechas e com uma mão ainda numa lata de tinta.
Rimo-nos até não termos mais ar e nos doer a barriga.
Sentíamo-nos porcos, peganhentos e felizes.
Depois desta balbúrdia quem é que não fica?
Depois de tomarmos um banho e de nos pormos a ver um filme deitados no sofá relaxadamente à noite, o cão deitou-se no chão, de baixo de ti, com a cabeça entre as patas e o gato foi para cima de mim até que vimos uma mancha amrela na sua orelha!
Olhémos um para o outro, rimo-nos e foste dar banho ao gato enquanto eu preparava chocolate quente para os dois.

Outros fins-de-semana eram passados a trabalhar. Tu, sentado na cadeira com o portátil na mesa, perto da cozinha e eu a fazer a mesma coisa no sofá.
às vezes davas-me umas dicas, outras vezes acabávamos em discussão e outras vezes limitávamo-nosa estar calados.
Se não eras tu, era eu que te dava dicas e ideias, a rir, a gesticular ou a desenhar esboços que aceitavas, ponderavas muitas vezes ou recusavas.
Era só o tec tec tec do teclar e uns ocasionais: AH! JÁ SEI! E depois a caneta ou o lápis a arranhar o papel furiosamente com a pressa para que a ideia não fugisse da nossa cabeça. Acabávamos os dias contigo a fazeresme festinhas na cabeça enquanto vemos filmes sem jeto nenhum pois não teríamos paciência para ver outro tipo de filmes.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Porcelain


In my dreams I'm dying all the time

As I wake its kaleidoscopic mind
I never meant to hurt you
I never meant to lie
So this is goodbye
This is goodbye

Tell the truth you never wanted me
Tell me

In my dreams I'm jealous all the time
As I wake I'm going out of my mind
Going out of my mind
Moby

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

mudam-se os tempos

E se todo o mundo é composto de mudança
Troquemos-lhe as voltas, que 'inda o dia é uma criança

(Luís de Camões, José Mário Branco & Jean Sommer, in "Mudam-se os tempos...")

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Perigo de Explosão

É melhor fechares os olhos,
meu amor,
antes
que o mundo inteiro seja um incêndio.

Os ventos todos fechados.
Os ventos todos fechados dentro da minha mão.
Quantos ciclones queres ?

Procurava
nos outros
a ternura,
mas só encontrava
poços cheios
de ódio
e nitroglicerina.

Aquele poema,
ao contrário dos outros,
tinha pólvora.
Só lhe faltava
o rastilho.

Éramos rebeldes por sistema,
a sonhar uma revoluçao por dia.
À tardinha,
na esplanada,
bebiamos um cocktail molotov.

O terrorista
apaixonado carregava,
às
escondidas,
uma bomba-relógio.
Era
no peito.
Era o
coração...

domingo, 12 de agosto de 2007

Grão de arroz colorido

Hoje passeei pelos corredores campestres da Pampilhosa.
À medida que ia passando sentia-me viver enquanto o que via parecia parado no tempo. Sentia-me como um grão de arroz num mundo a preto e branco.

Olhei para a direita e vi o café onde ia com a minha família depois de almoço. Enquanto tinham conversas de adultos e bebiam o seu café, punha-me debruçada num banco (na altura da minha altura) forrado a cabedal preto, com os pés a impulsionarem para poder girar cada vez mais rápido. E todos os dias, enquanto os adultos eram adultos eu girava no banco, estando de saia, vestido, calças ou calções, insistindo em ser criança!

À esquerda, quase em frente ao café, havia um caminho privado pedonal. Adorava esse caminho! Sentia-me especial porque achava que era das poucas pessoas que sabia que era um atalho para a casa da minha avó. É verdade que quase ninguém por lá passa. Mas eu era tão pequenina e aquele caminho tão irregular que era uma delícia enfiar-me por ali, onde só cabe uma pessoa, ladeado por muros enoormes, onde havia sempre gatos selvagens, ervas esmagadas, comida p animas espalhada no chão, terra e pedrinhas.

Perto de onde estava havia o coreto. Olhei para lá e vi uma data de velhotes com ar amistoso a jogar o "jogo da malha" (ainda em preto e branco), porque a cores vi só um caminho em terra batida e pedras com poeira no ar.

Ao seguir esse caminho fui dar à rampa que dá à casa da minha avó. É uma rampa em excelente mau estado que contornava uma horta típica da terra, transformada agora numa vivenda vulgar. Por ser tão horrível, eu a minha irmã e o meu primo punhamo-nos a descer a grande velocidade nas nossas bicicletas (que iam constantemente à loja de reparações por causa dos pneus furados...)...

A casa da minha avó é perfeita como num conto de fadas.
A preto e branco: O portão de madeira branco, um pouco pesado que só fica aberto (para os carros passarem e estacionarem) se tiver pedregulhos grandes a prender no chão; a nespereira cheia de folhas secas no chão (um dos grandes passatempos era pegar no ancinho, fazer um monte com as folhas e deleitar-me com o chão em terra castanho-avermelhada com os troços feitos pelo ancinho), o caminho cheio de mini-malmequeres e relva que dá para a parte de trás da casa e para o quintal (onde me deitava no skate do meu primo a apnhar banhos de sol com um chapéu de palha em cima da cara); as papoilas gigantes (que não são papoilas mas é da família) plantadas na berma do caminho de pedras que dá à porta da casa; a comida ou tijela de leite para os gatos vadios junto às hortências na entrada da casa; a casa branca com trepadeiras verdejantes, o quintal cheio de vida e cor, cheio de compartimentos para as couves ou laranjas..., o tanque de pedra com bagas vermelhas venenosas que arrancava para atirar aos carros que passavam pela estrada adjacente à propriedade, a pequenina árvore do azevinho rodeada de pedras para a proteger, a figueira que em setembro nos enchia os pratos de figos pingo-de-mel maduros que me faziam impressão na língua de tanto os comer, o chorão com as folhas até ao chão (era como uma casa!) ao lado do portão que punha fim ao mágico quintal...

A cores: O portão de madeira verde entreaberto, a nespereira cheia de folhas no chão coberto de pedrinhas brancas, tal como o caminho que vai dar ao resto do quintal, o caminho quase invisível de pedras, a comida ou tijela de leita para os gatos vadios junto às hortências que diminuíram de número, a casa cor de rosa pálida com trepadeiras verdejantes, o quintal com ar meio abandonado mas ainda cheio de vida, o tanque de pedra, agora cheio de ervas e ramos por cima sem bagas para atirar aos carros que passam, a figueira, agora velha, mas que ainda nos mantém de pança cheia e doce, o chorão morto pelo mal que começava a causar à estrada, ao lado do portão enferrujado, que mal abre, cheio de lama e outras coisas assim feias que já praticamente não nos deixam passar para fora do quintal...

Por dentro nem menciono, pois não entrei lá.
Contudo, passei pelo adro da igreja. (onde se vai de encontro, depois de se passar o portão) Estava cheio de gente da missa mas a preto e branco estava vazio, comigo a andar de bicleta por lá...

Por fim, à frente, estava a casa dos meus pais. É muito bonita. Branca, alta, velha... Mas só vi a porta verde com as janelas fechadas, com rendinha branca atrás, os três pedregulhos altos a servirem de escada e o fóssil que existe na soleira da porta, muito macio e de certa forma, bonito. Contudo, também não entrei lá, por isso não entrarei em pormenores.

Passei a esquina da casa, passando pelo mini-mercado do Sr. Alfredo que tem tudo o que se possa imaginar, olhando para o resto da aldeia no lado esquerdo, pensando nas imagens do meu avô e no lado direito o resto da nossa casa mais a casa da madrinha e a frutaria da Júlia. Por fora não há diferença na saturação das imagens, a não ser o jardim da madrinha, que é em cima no "1º andar" da parte de fora da casa que dantes se viam plantas a lutar para mais espaço e agora apenas os vasos brancos, grandes e pesados a precisar de uma esfregadela...

Aí entrei, mas só um bocadinho.
Á medida que rodava a chava sentia por dentro um medo, ou excitação, um não-sei-quê que despertava em mim.

A casa estava escura, cinzenta, inabitável. (e não me estou a referir à minha visão a preto e branco). Estava coberta de pó e teias de aranha velhas, tábuas velhas, escada com 15 degraus altos e velhos, tudo velho.

Engoli em seco e fiquei parada a olhar.

Olhei para as escadas com que sonhava num sonho que era atirar-me de cima num vestido azul e branco que se abria formando um pára-quedas como a alice no país das maravilhas aterrando em cima do tapete (daqueles que picam) sentada à chinesa. Olhei para a porta fechada da adega, um pequeno compartimento cheio de caixas e garrafas mais cinzentas que verdes do pó. Olhei para uma divisão à esquerda, ainda mais escura que o resto da casa, cheia de tralha que faz ligação com a nossa casa e olhei para a direita. Outrora iluminada e cheia de artefactos pois era usada como um museu, agora com mais tralha e mais pó e mais escuridão.

Não avancei muito mais. Também não precisava. Dali, conseguia ver muito bem, o meu preto e branco, o meu sépia, a minha infância.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

dolce fare niente