sábado, 30 de junho de 2007

Episódio II: Dança das sementes


Estamos imóveis num recanto de um jardim mágico e mítico. É um espaço pequeno, rodeado de muros de pedra e terra, altos, recheados de pequenas aberturas por onde saem umas ervitas e de árvores solenes, silenciosas, pesadas de um verde escuro.
É tudo labiríntico e escondido.

Somos quatro e no entanto ninguém fala. Ficamos a olhar uns para os outros.
Está um dia meio enublado mas cheio de luz. Há bastante vento. Mas não arrepia, nem incomoda, nem se impõe.
O chão é de uma relva curtinha e verde, intercalada com uns toquezinhos castanhos da terra. É frio mas não está húmido, não arrepia e não incomoda.
Espalhado por todo o espaço existem inúmeros dentes-de-leão. Imensos, ínumeros, infinitos! Não deixam ver a relva e a terra que existe, transformando o chão em bolinhas macias e coloridas como o algodão. A terra deixa de ser verde e castanha e passa a ser amarela clara e rosa e cor-de-pele e cor-de-laranja e branca e azul claro e em outros tons pastel...

O tempo é esquisito.
Pelos ares vêem-se uns ao sabor da sorte, ao sabor do destino.

Continuamos sempre, os quatro, imóveis, olhando uns para os outros. Tinham chegado lá como que numa brincadeira, uma caça, uma apanhada, um desejo.

Somos duas raparigas e dois rapazes. Ambas de cabelo comprido e ambos de cabelo curto, mas não em demasia. Elas de branco e eles em tons castanhos. Elas baixas e eles altos, sem exceder o comprimento natural do ser humano. Todos descalços, a sentir cada fragmento da Natureza.
Uma fugia. Sou eu. Sem pressa. Sem saber. Passeava. Sou a mais alta das duas.
Outro seguia-me. (se era desejo de a surpreender, não cabe a mim decidi-lo.) Procurava-me numa calma frenética.
A outra dupla passeava em conjunto e a sós.
Encontram-se.
Mas a surpresa e o choque não existem. Ninguém ficou espantado nem admirados. Cada um permaneceu completamente sereno e nem por sombras que pairava desconforto ou rejeição.
Sorria muito ao de leve. Estava feliz pela outra. Esta, estava radiante, sem o demonstrar.
Eles, sentiam-se plenos. Partilhavam a tranquilidade geral.

Neste momento, o jardim mítico, labiríntico e misterioso tornara-se num descampado. As cores resplandeciam num brilho baço e triunfal. O sol transformara-se numa bola de dentes-de-leão em vários tons de amarelo, à espera que o vento disparasse, dispersando-o em inúmeras sementes flutuantes.

Planava no ar, gargalhadas distantes e genuínas. Um som que demonstra o passado.
Olhava o casal. A mais baixa olhava para a sua companheira, ora por contentamento, ora por euforia. Eles olhavam para ambas, ora ambiguamente, ora avidamente.
Ninguém mexia um músculo, ninguém pestanejava, ninguém cortava o silêncio, ninguém ousava. Apenas se viam sementes ocasionais de várias cores passar à frente uns dos outros. Culpa da brisa.

Agora, o vento agitou, esperneou, dançou, girou e rodopiou! Correntes em todas as direcções! Sementes por todo o lado! Para cima, para o lado, para o ar! Confusão, explosão de cores! O sol implodiu! A terra ergueu-se em sementes confusas e disparadas! Era magia! Era alegria! Era euforia ao máximo! Natureza no seu esplendor...

No entanto, ninguém se mexia. O vento despenteava-nos sem nunca quebrar os olhares trocados, a tensão, o clímax humano.
Olhava-os e sentia-me olhada. As sementes rodeavam-nos, tocava-nos suavemente na pele. Não havia reflexos.
Apenas a dança exótica e sem sentido das sementes em rumo incerto...
Ora cercavam os quatro ora aos casais...

Era uma maravilha... uma magia incerta, colorida, irreal e estonteante...

"E pintar com quantas cores o vento tem..."

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