domingo, 15 de abril de 2007

Episódio VIII: Entre amigos


Vejo vultos laranjas e pretos a passarem rapidamente como um filme à moda antiga. São os meus olhos fechados e sonolentos numa viagem onde o sol perfura a mata e bate-me na cara. Tudo é tranquilo.
A estrada é maçadora e o carro é desconfortável.

O carro embalava mas não ao ponto de me por a dormir completamente.

Era estranho.
Alguém estava ao meu lado. Estava na mesma situação que eu. O carro embalava-o mas não o punha a dormir.
De vez em quando, lentamente, os cabelos roçavam mas era sempre interrompido pelo carro aos solavancos...

Tinha um casaco por cima pois o vento que entrava pela janela da frente era bom, mas frio.

Estavamos os dois na mesma posição. Desleixados, de braços e pernas cruzadas. Tinha uma perna completamente dormente, mas queria lá saber! Estava-se ali tão bem!...
O ambiente era místico e acolhedor.
Nem por sombras o quereria quebrar.
Uma vez ou outra senti a ponta de um dedo do outro lado do casaco mas de novo, éramos interrompidos pelo carro aos solavancos... E não me importava. Estava momentâneamente feliz. Queria lá saber se o carro era mau, se a estrada era aborrecida e chata e se não conseguia dormir!

Mas mesmo no fim, adormeci. Não embalada pela viagem nem pelo cansaço mas pela alegria e pelo ambiente. E aí a minha cabeça tombou.

Nos últimos milímetros ainda me apercebi que a minha cabeça caía velozmente para a esquerda, por isso minimizei o contacto. Foi suave, inesperado e verdadeiro.
O meu coração, embora não se notasse por fora, batia rapidamente de uma forma muito calma. Era nervosismo: o que é que ia acontecer? Haveria um movimento, ou um gesto dele para me repelar? E iria eu retirar a cabeça muito rapidamente e ficar muito envergonhada?

Não.
A cabeça dele tombou também para a direita. O cheiro dele misturava-se a condizer com o ambiente. Os nossos cabelos não se roçavam mais. Não havia aquela comichãozinha a incomodar. Não se fazia mais força para aguentar a cabeça. Estavamos apoiados um no outro. Foi fácil. Foi inesperado. Foi bom.
Foi no final da viagem.

Aguentou pouco mais que uns minutos. Mas queria lá saber se o carro era mau, se a estrada era aborrecida e chata, se não conseguia dormir e se a viagem tinha acabado naquele momento! Estava momentâneamente feliz.

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